No livro “Mulheres que correm com os Lobos”, Clarissa Pinkola Estés conta a história da Mulher Esqueleto, para falar dos mistérios da vida, morte e renascimento.
A Mulher Esqueleto, assim como nós, em algum momento de nossas vidas, teve a existência retalhada até os ossos. Mas sabemos que isso não é o fim…Os ossos resistem, são praticamente indestrutíveis…É difícil queimá-los…Atravessam milênios para nos contar sua história…E assim como no conto de La Loba, é possível cantar sobre os próprios ossos e fazê-los voltar à vida: recobrí-los novamente de carne, sangue, músculos e coração…Cantar sobre os ossos significa entoar o hino da recriação, derramar a verdade da alma sobre aquilo que precisa ser curado e reconstituído.
No conto da Mulher Esqueleto, ela é puxada, acidentalmente, do fundo do mar, pelo anzol de um pescador (veja só, pelas próprias costelas…). Em princípio horrorizado, ele foge dela, que, presa à linha da vara de pescar, acaba sendo arrastada até o iglu do homem. Ele então termina por se compadecer da criatura e a desenreda da linha. Quando ele dorme, a mulher retira o coração/tambor do peito do homem, começa a batucar e a cantar para se revestir de carne novamente.
Embora Clarissa fale do relacionamento amoroso e enfatize o renascimento da Mulher Esqueleto por meio do encontro com o Outro – esse outro solitário, que tem a coragem de encarar essa mulher ressequida, quase sem vida, de desenredá-la de seus nós, com paciência e compaixão – proponho uma outra chave de interpretação, já que nem sempre um encontro profundo e transformador desse tipo pode ocorrer…
Na interpretação junguiana dos contos de fadas, todos os personagens de uma história simbolizam aspectos da psique de um único indivíduo. Dessa forma, tanto a Mulher Esqueleto, quanto o Pescador, representam elementos dentro da psique de uma mesma mulher.
No início do conto, a mulher é atirada do penhasco ao mar pelo pai, o juiz inflexível, tirano, agressor, que tanto pode representar uma força externa (o patriarcado, por exemplo), quanto um aspecto interno autodestrutivo.
No fundo do mar, o corpo da Mulher é devorado pelos peixes, aqueles elementos que vão minando nossas ideias, nossos sonhos, nossos projetos de vida, até não restar nada além de um amontoado de ossos. A Mulher Esqueleto, o feminino debilitado, mutilado, sem inspiração, invoca a força da ação, existente em si mesma, representada pelo Pescador, para desfazer os emaranhados. Mas é a partir de seu próprio movimento que ela se reconstitui, se regenera. Trata-se do potencial de autocuidado que todas nós temos para realizar.
Em outras palavras, todas nós temos a possibilidade de voltar a ser, movimentando as forças de cura existentes dentro da nossa própria psique…Eu disse “possibilidade”, pois nem sempre temos condições internas e/ou externas de promover esse renascimento sozinhas, necessitando de apoio, ajuda psicológica e terapêutica para equilibrar os aspectos da nossa psique.
Advogada, mãe de duas jovens lobas e 3 gatos, carioca da gema, paulista de coração.
Aluna do Curso de Formação de Focalizadoras de Círculos de Mulheres do Despertar Feminino em São Paulo, coordenado por Tamaris Fontanella.
Aluna da Oficina de Contação de Histórias conduzida por Tininha Calazans na Biblioteca Raul Bopp, em São Paulo.
Participou do Clube de Leitura “Mulheres e Lobos” da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, sob a curadoria da Profa. Jana Soggia.
Membro do Clã das Cicatrizes.